No Brasil, o Dia da Defesa da Fauna é celebrado desde 1980 no dia 22 de setembro. O Brasil conta com um das mais ricas biodiversidade do mundo, abrigando mais de 117.000 espécies de animais, incluindo 9.000 espécies de vertebrados, dos quais mais de 4.500 são peixes, cerca de 1.000 espécies de anfíbios, mais de 770 répteis, quase 2.000 espécies de aves e mais de 700 mamíferos. No entanto, o Livro Vermelho da Fauna Brasileira de 2018 lista atualmente 1.173 espécies da fauna silvestre como ameaçadas de extinção ou extintas. Metade destes são/foram encontrados na Mata Atlântica, sendo que 38,5% são endêmicos desse bioma Uma das principais ameaças é a captura e o comércio insustentáveis de vida selvagem.
Frequentemente vemos reportagens sobre operações de apreensão de animais silvestres em aeroportos e estradas do Brasil. Uma busca no google sobre o tráfico de animais mostra como a prática está espalhada pelo país e os métodos cruéis utilizados no transporte para burlar a fiscalização. É um assunto corriqueiro nos noticiários, mas com pouca importância diante da magnitude dos impactos negativos. A lei brasileira que busca tipificar o conjunto de condutas que compõem o tráfico de fauna silvestre é a Lei Federal nº 9.605/1998, conhecida como Lei de Crimes Ambientais. Resumidamente, o tráfico de fauna silvestre consiste no ato de retirar animais silvestres de seus habitats naturais e comercializá-los ilegalmente.
De acordo com o World Wildlife Crime Report - 2020 (Relatório Mundial de Crimes contra a Vida Selvagem) das Nações Unidas, o tráfico de animais é um dos mercados ilegais mais lucrativos do mundo, movimentando entre U$$ 5 a 23 bi/ano no mundo. A estimativa da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas) é que a fatia de contribuição do Brasil seja cerca de 10%, com ao menos 38 milhões de animais sendo retirados ilegalmente da natureza a cada ano. Esse valor pode ser maior se levarmos em consideração que 90% dos animais traficados morrem antes do destino final. O tráfico de animais silvestres muitas vezes está associado com outros tipos de tráficos, como o de arma e de drogas. Isto porque as rotas utilizadas são comuns. Recentemente, uma reportagem na UOL – 'Bichos do Tráfico' - mostrou o uso de animais silvestres como ostentação e tortura de inimigos por traficantes e milicianos no Rio de Janeiro.
Para se ter uma ideia, entre 2002 e 2014, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) recebeu mais de 500 mil animais vivos nos Centros de Triagem de Animais Silvestres (CETAS) federais, sendo 65,3% resultado de apreensões dos órgãos ambientais e 14,5% de entregas voluntárias. Destes animais, menos da metade (42%) foram reintroduzidos na natureza. Isso sem contar animais já abatidos. Por exemplo, de acordo com dados da organização sem fins lucrativos Freeland Brasil, entre set/2020 e set/2021, 59.300 animais vivos foram apreendidos no Brasil, além de mais de 1.700 outros animais já abatidos, 130.000 kg de pescado e 25.000 kg de carne de caça e outros produtos como ovos e peles.
Dentre os estados brasileiros, Minas Gerais tem papel importante no comércio ilegal de animais silvestres. As aves são os principais alvos do comércio ilegal da fauna silvestre no Brasil, especialmente na Mata Atlântica. Conforme o documento Wildlife Trafficking in Brazil (Tráfico de animais selvagens no Brasil), 400 espécies de aves são impactadas pelo comércio ilegal no Brasil, o que corresponde a 20% das espécies de aves nativas do país. Os répteis são o segundo grupo mais afetado, especialmente na região da Amazônia brasileira.
Essa dados servem para alertar a sociedade para as diversas consequências do tráfico de animais, que extrapolam a dimensão ecológica, mas se estende para os aspectos sociais, econômicos e sanitários. Os impactos incluem a movimentação ilegal de dinheiro, a geração de custos ao Estado com as operações de combate e manutenção dos animais, perda do potencial de ganho com turismo e com a fabricação de medicamentos, além de agravar a marginalização da população pobre do país. O tráfico também tem forte impacto na saúde pública. As Nações Unidas estima que as zoonoses representem 75% das doenças infecciosas emergentes no mundo. Pandemias regionais e globais são originadas da transmissão de doenças de animais para humanos, a exemplo da COVID-19.
Portanto, 22 de setembro é um dia de refletir sobre o tráfico de animais silvestres, e outros fatores responsáveis pela extinção de espécies da fauna no Brasil, como o desmatamento e a caça. Apesar de ser uma tradição enraizada em diversas regiões do Brasil, a criação/manutenção de animais silvestres em cativeiro sem autorização do órgão ambiental é crime. Cabe aos cidadãos, cobrar do poder público maior investimento nos órgãos ambientais de fiscalização e combate ao crime contra o meio ambiente. Exigir maior investimento e apoio em pesquisas científicas, tanto do ponto vista ecológico quanto de saúde pública. Diretamente, não comprar animais silvestres sem autorização do órgão ambiental competente e denunciar crimes contra a fauna (e flora) são ações (e dever) da sociedade, que no final das contas, será um das beneficiárias com a conservação da biodiversidade.
Texto de João Pedro - Eng. Ambiental
Fontes:
Eiras, Y. & Nhanga, C. Bichos de Ostentação. Publicado em 23 de junho de 2022. https://tab.uol.com.br/edicao/bichos-do-trafico/#cover
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Relatório técnico CETAS 2002 – 2014. Brasília/DF: IBAMA. p. 29, 2016. http://www.Consultaesic.Cgu.Gov.Br/busca/dados/lists/pedido/attachments/1309089/resposta_pedido_cet.Pdf
Rede nacional de combate ao tráfico de animais silvestres (RENCTAS). 1º Relatório nacional sobre o tráfico de fauna silvestre, 2001, 107 p.107 . https://www.renctas.org.br/wp-content/uploads/2014/02/REL_RENCTAS_pt_final.pdf
Charity, S., Ferreira, J.M. (2020). Wildlife Trafficking In Brazil. TRAFFIC International, Cambridge, United Kingdom. https://www.traffic.org/site/assets/files/13031/brazil_wildlife_trafficking_assessment.pdf
Freeland Brasil. Um olhar sobre 1 ano de notícias sobre o tráfico de fauna no Brasil. Publicado em 28 setembro de 2021. https://www.freeland.org.br/post/um-olhar-sobre-1-ano-de-not%C3%ADcias-sobre-o-tr%C3%A1fico-de-fauna-no-brasil
United Nations Office on Drugs and Crime. World Wildlife Crime Report: Trafficking in protected species. 2016. https://www.unodc.org/documents/data-and-analysis/wildlife/2020/World_Wildlife_Report_2020_9July.pdf
Ministério do Meio Ambiente (MMA). Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção: Volume I / -- 1. ed. -- Brasília, DF: ICMBio/MMA, 2018. https://www.gov.br/icmbio/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/publicacoes-diversas/livro_vermelho_2018_vol1.pdf