Tornando as estradas mais seguras e o caminho mais sustentável []

 

scrito por: João Pedro Machado e Souza

          A expansão contínua da malha rodoviária é uma das principais ameaças aos ecossistemas tropicais, e particularmente para a fauna silvestre, com preocupação especial para as espécies sensíveis ou ameaçadas de extinção. A mortalidade por colisão com veículos é o impacto mais visível do tráfego rodoviário na vida selvagem. Conforme a Confederação Nacional do Transporte, em 2017, o Brasil contava com 1,7 milhões de quilômetros de estradas, mas 87% não são pavimentados, onde circulavam quase 100 milhões de veículos[1]. É, portanto, urgente considerar os efeitos negativos na vida selvagem, em especial a mortalidade e o isolamento, na construção, pavimentação e modernização da rede rodoviária no país.

As estatísticas que documentam os acidentes entre veículos e animais silvestres no Brasil variam. Estima-se que, no mínimo, 14,7 milhões[2] de colisões entre veículos e animais selvagens ocorrem todos os anos no Brasil. Mais dramática é a estimativa do Centro Brasileiro de Ecologia de Estradas (CBEE), cerca de 475 milhões de vertebrados terrestres impactados, por ano, no país, isto representa 15 colisões por segundo[3]. Considerando apenas aves e mamíferos, calcula-se que mais de 10 milhões de indivíduos são vítimas de colisões todos os anos no país[4]. Apenas no Estado de São Paulo, a média é de 39.605 mamíferos de médio e grande porte atropelados por ano[5]. Entre 2018 e 2019, o pesquisador Alex Bager percorreu 30 mil km de rodovias nacionais e encontrou 529 animais mortos, o que o levou à estimativa de 2.163.720 atingidos por colisões ao ano[6].

Mais especificamente, o levantamento do Instituto Homem Pantaneiro (IHP) identificou que entre 2016 e 2023, 19 onças-pintadas morreram vítimas de colisões na BR-262, no trecho de cerca de 200 km entre Miranda e Corumbá, no Mato Grosso do Sul[7]. Outro estudo em um trecho de 16 km da BR-101 que atravessa o Parque Estadual da Serra do Mar encontrou 60 cobras atropeladas em 15 meses, pertencentes a 15 espécies, como as cobras-cipó e a falsa-coral. A estimativa é de que 8,6 cobras/km sejam atropeladas por ano[8].

As colisões de veículos com animais selvagens representa um perigo real não apenas para a sobrevivência da vida selvagem, mas também para a segurança humana. Dados de óbitos humanos provocados por acidentes com animais silvestres ainda é pouco esclarecido no Brasil. A partir de notícias publicadas na internet, um estudo de 2015 descobriu 41 óbitos humanos entre 2007 e 2012 no país em consequência de colisões com animais silvestres[9]. Outro estudo de 2019 investigou os acidentes no Estado de São Paulo entre 2003 e 2013 e encontrou que 3,3% (28.724) das colisões de veículos eram com animais – silvestres ou domésticos - resultando em uma média de 531 pessoas com ferimentos leves, 116 com ferimentos graves e 20 óbitos por ano[10]. Entre abril de 2013 e março de 2020, 77 pessoas ficaram feridas e 28 morreram em colisões com antas em diferentes estradas de Mato Grosso do Sul[11].

 

Animais mais frequentemente envolvidos em colisões de veículos

Nas projeções do CBEE, os pequenos animais (< 1kg) são os mais afetados, mais de 90% são sapos, roedores, aves e cobras, entre outros. Outros 40 milhões representam animais de médio porte, como gambás, lebres e macacos. Cinco milhões são de grande porte, como onças, lobos--guarás, antas, tamanduás-bandeira e capivaras, o que, em média, significa de 2 a 3 animais de grande porte a cada quilômetro. Em levantamento de 2018, os pesquisadores identificaram 450 espécies de vertebrados terrestres envolvidas em colisões com veículos de 1988 a 2017 no Brasil[12], com maior número de registros de gambá-de-orelha-branca, tiziu, cachorro-do-mato, cobra-d'água e sapo-cururu. Dos 529 animais encontrados por Bager, 434 eram mamíferos, 62 aves, 32 répteis e 1 anfíbio, sendo as mais afetadas o cachorro-do-mato, tamanduá-mirim, tatus, tamanduá-bandeira e capivara.

 

De 2005 a 2014, no Estado de São Paulo, dos 37.744 mamíferos de médio e grande porte atropelados ao longo de 6.580 km de estradas, a capivara, lebre europeia, o cachorro-do-mato, tatu-galinha, porco-espinho, tatupeba, tamanduá-mirim e mão-pelada responderam por mais de 80% de todos os registros5. No Mato Grosso do Sul, pesquisadores apontaram entre 12.000 e 15.000 mamíferos com massa corporal maior que 1 kg (ou ema) vítimas de colisão veicular ao longo de 1.158 km de quatro rodovias entre 2017 e 202011. Das 9.431 carcaças de animais encontradas, 40% eram de animais capazes de causar ferimentos e danos materiais, como antas, capivaras e onça-parda, além de 608 tamanduás-bandeira mortos.

 

 

 

 

 

Perspectivas econômicas

Colisões de veículos e animais são um problema grave e caro. Do ponto de vista econômico, os custos envolvem o reparo do veículo, além de custos relacionados a ferimentos e fatalidades humanas, reboque, assistência médica no local do acidente, investigação do acidente e remoção da carcaça do animal da rodovia[13]. No Estado de São Paulo, pesquisadores estimaram em mais de R$ 56,5 milhões por ano os custos para a sociedade com danos materiais, ferimentos ou fatalidades humanas. O custo médio de um acidente entre animais e veículos, independentemente de lesões humanas e mortes, foi de R$ 21.656,0010. Estes valores podem variam para outras regiões do Brasil. No Estado do Mato Grosso do Sul, em média, cada acidente entre veículo e mamíferos com mais de 1 kg custa R$ 5.221,00, resultando em um custo material total de R$ 11,1 milhões por ano11.

 

Reduzindo o risco de colisões com animais errantes nas rodovias

Nesse cenário alarmante, esforços têm sido empregados para planejar, projetar, construir, monitorar e desenvolver melhores estruturas de mitigação. Existem ao menos 40 tipos de medidas de mitigação para reduzir as colisões13. Elas dependem de vários fatores como topografia, vegetação, biomas e das espécies de animais presentes na região. Entre as medidas estão: cercamento das rodovias, instalação de sinalização, refletores e redutores de velocidade, além da construção de “passagens de fauna”, que permitem aos animais atravessar as pistas com segurança e reduzem o risco de colisões, além de manter a conectividade dos hábitats das espécies.

 

 

Passagem aérea projetada para macacos ameaçados na BR-319, km 272/AM

 

Foto: Michael Dantas / WCS

 

 

 

 

A eficácia e os custos destas medidas de mitigação, entretanto, variam muito13. Uma das principais questões é a efetividade a longo prazo porque essas abordagens se caracterizam por serem estruturas fixas, enquanto os animais silvestres se deslocam na paisagem e os movimentos para reprodução, invernada, forrageamento ou verão podem variar ao longo do tempo ou até mesmo entre as estações. Além disso, tempo de retorno do investimento é demorado.  Considerando os custos envolvidos nas colisões, o retorno do investimento em cercamento total de rodovias pode chegar a 40 anos, mas cercando somente trechos críticos, o custo é significativamente menor e o retorno pode cair para 9 anos9.

A tecnologia ou dispositivos têm contribuído para reduzir as colisões veículos-animais. Um exemplo é o aplicativo U-SAFE, criado em 2022 pela startup EnvironBIT, que tem a intenção de tornar as rodovias brasileiras mais seguras para as pessoas e para a vida selvagem. Para isso, notifica o condutor a cada quilômetro do grau do risco de atropelar um animal silvestre ou doméstico ou de sofrer um acidente. É o Waze da biodiversidade.

Portanto, não existe uma solução perfeita. Como cada espécie tem um padrão próprio de comportamento e a influência dos atributos das estradas e da paisagem é variável, é preciso estudos para subsidiar ações que amenizem a problemática. O diagnóstico fornece dados sobre os movimentos da vida selvagem e os pontos críticos onde muitos animais atravessam estradas. Uma vez obtido um conhecimento dos padrões de colisões, diferentes medidas de mitigação podem ser tomadas para reduzir as colisões. Além do trabalho de planejamento, o monitoramento é fundamental porque acumula dados a médio e longo prazos para determinar a efetividade e entender como os animais utilizam as estruturas.

Remover carcaças de animais da estrada e descartá-las adequadamente é outro serviço necessário. Além de representar um perigo potencial e distração aos condutores, as carcaças podem levar patógenos ao solo e às águas. O gerenciamento de carcaças precisa de estratégias alternativas viáveis, ambientalmente compatíveis e econômicas. O enterro pode ser uma opção arriscada a longo prazo à medida que as áreas de descarte se tornam mais povoadas. A compostagem de carcaças de animais surge como uma abordagem eficaz e pode reduzir os gastos anuais na remoção e no descarte.

 

v  O que fazer para se proteger quando tiver que pegar a estrada?[14]

· Diminua a velocidade nas estradas.

· Fique alerta ao amanhecer e ao anoitecer: a vida selvagem é mais ativa durante esse horário e a visibilidade é limitada.

· Fique atento às sinalizações das travessias da vida selvagem: Elas indicam áreas de alto risco.

· Seja vigilante ao dirigir por áreas naturais: tenha cuidado em estradas perto de áreas arborizadas, agrícolas e pantanosas, bem como perto de rios e lagos.

· Visualize os dois lados da estrada: convide o seu copiloto para ajudar a ficar de olho na vida selvagem. Dirija sem distrações: guarde comida, telefones e outras distrações.

· Procure o brilho dos olhos: observe os olhos brilhantes do animal à distância e diminua a velocidade ao vê-lo.

· Cuidado com grupos: alguns animais viajam em grupos, então espere por outros animais que possam estar viajando atrás.

· Não jogue lixo: lixo e restos de comida podem atrair animais para a estrada.

 v  O que fazer se você encontrar um animal na estrada

· Não desvie: Não desvie seu veículo. Fique na sua pista e diminua a velocidade.

 v  Medidas Pós-Colisão

Se acontecer de você atropelar um animal na estrada, veja o que fazer:

· Encostar: Se o seu carro ainda puder ser dirigido, pare e ligue o pisca alerta.

· Nunca tente tocar ou se aproximar de um animal ferido: Animais silvestres feridos estão num estado extremo de estresse. Isso pode levá-los ao estado de alerta e a atacar por se sentirem ameaçados.

· Não leve o animal para casa, nem para outro lugar: Transportar animal silvestre sem autorização é crime ambiental e pode colocar sua vida e a vida do animal em risco.

· Peça ajuda imediatamente: ligue para o 193 ou entre em contato com a Polícia Militar Ambiental local, empresa concessionária da rodovia ou Polícia Federal Rodoviária se estiver ferido ou se o animal representar uma ameaça à segurança pública.



[1] Confederação Nacional do Transporte. (2018) Anuário CNT do transporte: estatísticas consolidadas 2018. – Brasília: CNT. https://anuariodotransporte.cnt.org.br/2018/Rodoviario/1-3-1-1-1-/Malha-rodovi%C3%A1ria-total

[2] Dornas, R. A. P.; Kindel, A.; Bager, A.; Freitas, S. R. (2012). Avaliação da mortalidade de vertebrados em rodovias no Brasil. In: Bager, A. (Ed.). Ecologia de Estradas: tendências e pesquisas. Lavras: Ed. UFLA, p. 139-152.

[3] Centro Brasileiro de Ecologia de Estradas - CBEE. (2023). https://sistemaurubu.com.br/dados/

[4] González Suárez, M., Zanchetta Ferreira, F., Grilo, C. (2018). Spatial and Species Level Predictions of Road Mortality Risk Using Trait Data. Global Ecology and Biogeography, 27(9), p. 1093-1105.

[5] Abra, F. D., Huijser, M. P., Magioli, M., Bovo, A. A. A., & de Barros, K. M. P. M. (2021). An Estimate of Wild Mammal Roadkill in São Paulo State, Brazil. Heliyon7(1).

[6] Bager, A. 30 mil quilômetros em prol da vida selvagem. https://ecoestradas.com.br/expedicao_urubu/

[7] Instituto Homem Pantaneiro. (2023). Programa Felinos Pantaneiros identificou morte de 19 onças-pintadas em trecho da BR-262. https://institutohomempantaneiro.org.br/programa-felinos-pantaneiros-identificou-morte-de-19-oncas-pintadas-em-trecho-da-br-262/

[8] Hartmann, P. A.; Hartmann, M. T.; Martins, M. (2011). Snake Road Mortality in a Protected Area in the Atlantic Forest of Southeastern Brazil. South American Journal of Herpetology, 6(1), 35–42.

[9] Freitas, S. R., & Barszcz, L. B. (2015). A Perspectiva da Mídia Online Sobre os Acidentes Entre Veículos e Animais em Rodovias Brasileiras: Uma Questão de Segurança? Desenvolvimento e Meio Ambiente33, p. 261-276.

[10] Abra, F. D., Granziera, B. M., Huijser, M. P., Ferraz, K. M. P. M. D. B., Haddad, C. M., & Paolino, R. M. (2019). Pay Or Prevent? Human Safety, Costs to Society and Legal Perspectives on Animal-Vehicle Collisions in São Paulo State, Brazil. Plos One14(4), e0215152.

[11] Ascensao, F., Yogui, D. R., Alves, M. H., Alves, A. C., Abra, F., & Desbiez, A. L. (2021). Preventing Wildlife Roadkill Can Offset Mitigation Investments in Short-Medium Term. Biological Conservation, 253, 108902.

[12] Clara Grilo et al., (2018). BRAZIL ROAD-KILL: A Data Set of Wildlife Terrestrial Vertebrate Road-Kills. Ecology, 99 (1), p. 2625-2625.

[13] Huijser, M. P., P. McGowen, J. Fuller, A. Hardy, A. Kociolek, A. P. Clevenger, D. Smith, & R. Ament. (2007). Wildlife–vehicle collision reduction study. Report to Congress. U.S. Department of Transportation, Federal Highway Administration, Washington D.C., USA.

[14] Instituto de Conservação de Animais Silvestres – ICAS. Estradas Mais Seguras para Todos: No Caminho para Reduzir as Colisões com Fauna. https://www.icasconservation.org.br/wp-content/uploads/2022/05/livro-mitigacoes-final.pdf